
Eram quatro horas da manhã deste dia 5 de Março de 2010.
Por qualquer motivo estranho acordei agitado e de sonhos envolvido. Meu coração, como pequenino sino de uma abandonada e triste capela, estava agitado e batia continuamente fazendo sentir o seu pulsar por todo o corpo, tal aldeia adormecida, onde o povo, os pensamentos, deambulavam irrequietos ao redor.
Levantei-me, abandonando o conforto do meu leito e dirigi-me para o escritório onde me fui sentar junto da secretária. Mas, meu problema, minha insatisfação avolumava-se…
Através da janela, num sonho meu, contemplei a beleza da noite envolta dum silêncio profundo. A chuva caía, doce, mansinha e bela fazendo-me lembrar o choro da natureza a pretender anunciar algo que, nós seres humanos, não conseguimos decifrar, tal a aspereza do coração, a incredulidade e frieza do pensamento.
E o tempo rolava, as horas corriam e a chuva parou. Eram quatro e quinze minutos. Meu pensamento deambulava em volta, livre, independente, como andorinha encantada, saída há pouco do seu ninho. Imaginei vê-la poisar num tronco duma árvore de grande porte, mas nesta época do ano, despida de ramagem. O seu melodioso e encantador chilreio era notório acompanhado dum sincronizado bailado gizado com o movimento delicioso do seu débil corpo. Como se sentia feliz e realizado
aquele pequenino ser num mundo de vastidão tão profunda e ignota.
Sim, meu irmão, como são pequeninas as dimensões onde gravitamos comparada com a grandeza do insondado, desse Além para lá do além... Um dia virá, quem sabe se brevemente, em que vamos compreender o ininteligível, o indecifrável, a grandeza da nossa pequenez!
A minha angústia e insatisfação continuavam a minar meu pensamento irrequieto que, por já não domável, fugia para longe, agora levado no voo mágico e sedutor daquela pequenina andorinha, até junto da imagem de Nossa Senhora de Fátima, tendo sido recebidos por duas pombinhas que nos anunciaram que ali era Terra Santa
onde habitava a Mãe de Cristo.
Contemplando seu olhar, meigo e terno, parecia querer-nos transmitir algo naquele ermo local. Pobre de mim, meu Deus, tão pequena criatura, materializada e de ouvidos moucos!... Deixa-me saber ouvir, decifrar e interiorizar, ao menos uma vez, os sons do silêncio.
O sonho tem limites e, portanto, temos sempre de recordar ou ter bem presente que, no todo, somos demasiadamente humildes ou minúsculos, tal gota de água no oceano…. Mas, uma pinga de água perdida junta com muitas outras podem aumentar os caudais dos rios e estes a grandeza dos oceanos., tornando-os feros e poderosos.
Refugiando minha atenção de novo na Imagem, levantei minhas mãos ao alto e pedi protecção a este povo luso, tão seguidor, tão querido e tão sofrido por se encontrar ora desencontrado. Só um chamamento, uma nova aparição nos poderia salvar deste lamaçal em que estamos envolvidos. Meditei, meditei, meditei…
Em puro sonho ou num rasgo de luz comecei a perscrutar a voz do silêncio dizendo, num tom carinhoso e maternal:
-“ Olha meu filho, tenta abrir teus olhos teu pensamento ao menos uma vez. Para que queres outro milagre, outra aparição para vos salvardes?.... Não tens ainda presente o Milagre da Ilha da Madeira, em que foram sacrificados alguns naturais daquelas paragens para salvação vossa? Deus, omnipotente fez com que naquele local assolassem ventos ciclónicos e chuvas estranhas, quase diabólicas, não para os imolar, não para os castigar, mas para salvarem o povo lusitano, mostrando-lhe os caminhos da união, já que se encontram tão divididos e mergulhados em políticas grosseiras e nefastas que só os leva à destruição física e espiritual. Esse povo bom, trabalhador e crente rapidamente ultrapassará esses momentos de inquietude, desespero e instabilidade para vir a servir de exemplo a Portugal e ao vosso Mundo, transformando o que seria um mar de lamentações em um momento curto de desequilíbrio passageiro, tendo como base de sucesso a união e o amor entre as pessoas, ultrapassando e aniquilando confrontações políticas ou partidárias cujo valor é irrelevante.”
- Hoje, face a este panorama, a este quadro real da vida, transporto meu pensamento para os tempos de 1975, ano tão injusto e amargo para os portugueses que tiveram necessidade de abandonar, à pressa, seus lares, como se fossem feras ou assassinos. Um dia a nossa História há-de ser escrita, quando não depender de qualquer influência partidária que gosta sempre de a matizar a seu belo e conveniente prazer.
Nessa fuga, mais que desumana, despida de qualquer reconforto oficial, lá encontramos, em paragens sul-africanas, mais propriamente em Pretória, um povo local amigo onde estava instalada uma comunidade unida e poderosa.
Foram eles, que arregaçando as mangas vieram em auxílio dos seus irmãos lusos, protegendo-os, acarinhando-os e mostrando-lhes o caminho mais indicado para a sua salvação. Foram agricultores e comerciantes madeirenses que os receberam, foi a Casa da Madeira que lhes deu todo o apoio possível, tal a tão enorme avalanche, para menorizar o sofrimento dos deslocados. Outros, recordo ainda, juntavam-se para fazer, na sua terminologia linguística, uma “vaquinha”, para adquirirem o montante suficiente para obterem os bilhetes de avião que depois ofereciam a esses abandonados.
Como recordo, entre centenas que conheci, os nomes de ROSAS, FURRIEL, MANUEL DA CAL, os irmãos ABREU, o ERNESTO GONÇALVES, os irmãos JOÃO, de Pretória Norte… A todos eles agradeço o que fizeram aos portugueses, independentemente da sua cor, filiação política e estrato social.
Portugal jamais os poderá esquecer e todos os portugueses, que tenham no seu coração uma alma lusa, terão sempre de acorrer, com amor e prontidão, ao chamamento destes nossos irmãos que, outrora, tanto e tanto nos acudiram e apoiaram naquelas paragens longínquas de África, onde restam nossos corações….
Que me perdoem todos os outros madeirenses, pois jamais esquecerei por tudo o que nos fizeram não olhando às horas de descanso que tiveram de sacrificar para correrem em auxílio dos “retornados”, digo, “espoliados”.
Utilizando um termo vosso, familiar e carinhoso, o “continental” nunca vos esquecerá e farei uma só chamada e, todos eles, de coração aberto, estaremos sempre junto de vós para vos ajudar.
Felizes aqueles que tiveram a felicidade de vos conhecer e de convosco partilhar momentos de profunda e salutar intimidade.
Sois, perdoem-me formiguinhas que, muito unidas, trabalham incessantemente para realizarem um abrigo comum, farto, cheio de união e amor. Pelo vosso posicionamento na vida deram-nos e dão-nos o exemplo de como a abraçar, lutando nas horas de amargor e festejando alegremente nas horas de lazer. Por minha parte, sinto-me bafejado por tudo o que de vós recebi, ternura, amor, apoio e orientações a seguir, rumo ao êxito ou ao sucesso futuro.
Acreditem… O Mundo ter-vos-à no coração, ontem, hoje…e para sempre.
PAISDAROSA
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