…VELHINHA…
Vi-te!
Ouvi-te!
Tive a felicidade de te encontrar!
Ao ver-te perdi-me nos teus olhos azuis,
Um azul celestial,
Raro!... Raro em tal animal!...
E, hoje , muitos anos passados...
vou recordar-te
Se nao me levares a mal...
Anos atrás, um amigo íntimo convidou-me a passar algum tempo numa sua fazenda de gado que possuia na Beira-Alta, pois tinha de lá ir construir um ovil e outras dependências para resguardar o gado durante a estação do inverno que naquelas paragens é bastante rigoroso.
Ponderado o assunto com a família, aceitei o convite e dois dias depois parti à aventura já que sempre me identifiquei bastante com a região, pois foi nela que, pela primeira vez, respirei o ar puro dos pinhais e o perfume pútrido emanado dos currais do "vivo".
Ali chegado fui apresentado a todos os trabalhadores da fazenda, caseiros e pastores, que me foram imediatamente mostrar o gado e o local onde iriam construir o ovil , para a protecção das ovelhas.
Uma noite, exausto e triste por me encontrar longe da família, dirigi-me até ao local onde procediam à tiragem do leite às ovelhas, quase todas brancas e possuidoras de longos e poderosos chifres.
Vi o estado de agitação em que se encontravam, não por sofrimento ou dor mas pela azáfama que todas viviam para chegar em primeiro, ao local de recolha mecânica do leite, onde iriam receber uma ração extremamente rica e saborosa, cheia de vitaminas e que devoravam em instantes, enquanto durava a operação.
Ao observá-las minuciosamente, para as poder identificar, dei com uma ovelhinha que se diferenciava de todas as outras pela cor preta .
Dirigi-me a ela, dei-lhe um pouco mais de ração que comeu com sofreguidão da minha mão, acaricieia e contempleia porque algo nela me encantava.
Que teria sido?… Até hoje procuro teimosamente o motivo desse fascínio, mas sem qualquer resultado!.…
Uma coisa é certa; algo me tocou profundamente e me atraiu àquela ovelhinha …
Recordo, com saudade o seu focinho pontiagudo, de linhas regulares e bem delineadas onde brilhavam como estrelas dois olhinhos dum azul celeste que jamais imaginaria ver nesta espécie animal e que jamais esquecerei.
Por entre a lã preta do focinho notei a existência de alguns cabelinhos brancos que teimosamente se evidenciavam dos outros pela sua postura e agressividade. Face a este quadro indaguei: será um animal jovem ou trata-se de uma velhinha?!…
Dessa divagação surgiu a ideia de a chamar "Velhinha", o que na realidade não era pois só tinha dois anos conforme vi na sua ficha de registo.
E, assim, a partir daquela noite, por gostar de animais e por me ter apaixonado pela sua graciosidade, tornou-se um hábito ir visità-la, levando-lhe sempre qualquer doçura ou um pedacinho de pão de que tanto gostava.
Um dia, quando as ovelhas se encontravam nos locais de pastagem, aproximei-me cautelosamente delas, já que os seus longos chifres são sempre um motivo de preocupação, e observei que a "velhinha" se dirigia velozmente no meu sentido.
Fiquei petrificado, face a desconhecer qual seria o seu comportamento. Não consigo, nem nunca conseguirei esquecer e traduzir por palavras o exemplo tão profundo de ternura , agradecimento e amor com que ela me brindou no momento do encontro, quem sabe se para agradecer todas as deferências que lhe tinha prestado e certamente não habituais para ela dum ser humano.
Airosamente, aproximou-se de mim, beijou minhas mãos com os seus lábios, acariciou seu corpo junto às minhas pernas e começou a balir, a balir, a balir…quem sabe se a pretender dizer-me algo que eu não conseguia compreender ou descodificar.
Afaguei-a, enchia de miminhos e, depois, fui colher uma maçã, fresca e soculenta, de uma árvore próxima, para lha oferecer.
A partir desse dia passei a deixar de a visitar à noite mas a encontrá-la, durante o dia, nos campos de pastagem, pois ela ao pressentir-me voava na minha direcção levando os pastores a comentarem, uns para os outros: ---"lá vem o ‘sor Antonio’, pois a sua amiga já está excitada e a correr para ele".
Acabado o tempo de permanência voltei de novo a Lisboa para me juntar à família, depois de me despedir da "velhinha" e ter feito um pedido ao meu Senhor para que a protegê-se para um dia a voltar a ver feliz.
Sonho de criança!… O proprietário, comerciante nato, materialista confesso, não esteve com mais demoras e, após terminada a campanha da recolha do leite deu ordem aos caseiros para proceder à venda de animais, já que seriam substituidos pelas crias.
Quatro meses depois voltei de novo à fazenda e logo que me foi possível dirigi-me aos pastos e aguardei a reacção da minha "velhinha".
Momentos depois comecei a sentir algo de estranho que me apertava o coração. Teria ela me esquecido ou encontrar-se-ia doente e fechada no redil ?…
Todo o meu juízo não passava de uma pura irrealidade confirmada ,breve momentos depois, pela informação dada pelo pastor "Manel", ao transmitir-me a triste notícia que a ovelha fora vendida para ser abatida para carne!…
Na altura não chorei por vergonha ou cobardia. Cambisbaixo, dirigi-me para a mata próxima e aí, sozinho e em voz alta , revoltei-me , libertando brados de agonia e dor pela amiguinha que tinha perdido…
E, hoje, confundido e perdido nesta nossa sociedade de consumo, peço ao meu Senhor para continuar a ter energia para recordar e cantar sua profunda dedIcação, pois era um ser inteligente, dócil, fino e extremamente carenciado de amor humano.
A terminar, lanço um apelo a todos os jovens, pilares de todo o nosso futuro, para que tentem compreender, respeitar,
acariciar e a amar todos os animais pois eles vos saberão dar, em troca, montanhas e montanhas de alegria e prazer…
"E HOJE COM TERNURA
RECORDANDO CERTOS MOMENTOS
REVIVO TUA DOÇURA
PELOS TEUS ENCANTAMENTOS"
1 comentário:
Velhina, Quando a chamavas, lá vinha ela a correr, já o tempo passou e ainda consigo me lembrar dela! Que rica velhinha.
Alexandre Rosa
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